Todos nós estamos habituados a funcionar em “modo automático”. Permite-nos ser rápidos, projetar-nos como eficientes, produtivos e aparentemente flexíveis. Esta realidade, contudo, torna-nos tendencialmente desatentos, perdendo-nos em julgamentos e reflexões que nos abstraem do mundo que nos rodeia, limitando a forma como reagimos. Torna-nos rígidos e pouco envolvidos emocionalmente nas nossas ações. Quando funcionamos em modo automático evitamos pensamentos, sentimentos e situações que nos trazem sensações e emoções com as quais não queremos lidar. Achamos que estes pensamentos e sentimentos são indesejáveis ou que o confronto com estes seria demasiado intenso. E assim afastamo-nos do estado de mindfulness.
Este evitamento experiencial e emocional é uma estratégia adaptativa socialmente aceite, mas constitui uma grande falha: quanto mais a pessoa tenta suprimir tais conteúdos aversivos, mais os irá sentir. Estes conteúdos tornam-se mais persistentes e intensos, já que, involuntariamente, levamos o foco da nossa atenção para eles, acabando por nos dominar. Em simultâneo, estas sensações e sentimentos negativos não provocam dano em si. São apenas sinais de condições que deveriam ser enfrentadas.
Como é que aceito simplesmente um pensamento ou emoção que me consome?
Embora as práticas e princípios de mindfulness surjam de tradições contemplativas e filosóficas, qualquer pessoa pode pô-las em prática de forma eficiente sem ter treino ou o devido conhecimento acerca do tópico. Este conceito começa cada vez mais a ser tido em conta, uma vez que tem vindo a provar aumentos significativos no bem-estar geral de quem o pratica, reduzindo as consequências de “viver em modo automático” e estabelecendo relações com o próprio ambiente de trabalho.
O que é Mindfulness?
É possível definir mindfulness como uma forma específica de atenção plena ou, por outras palavras, concentração no momento atual, intencional, e sem julgamento (Kabat-Zinn, 1990). Com “momento atual” o autor refere-se a estar em contacto com o presente sem que a mente divague para pensamentos passados, futuros, ou outros assuntos não envolvidos no “agora”. É intencional, uma vez que estar neste estado de atenção é escolha do sujeito que se esforça para tal.
O intuito destas práticas é precisamente trazer o foco da nossa atenção para o momento presente e com isto aceitar os pensamentos e emoções simplesmente como estes se apresentam, não sendo positivos ou negativos – sem julgamento. Assim, adotando uma posição de observador, vemos como legítimo aquilo que sentimos e pensamos, diminuindo a sua persistência e magnitude. O não julgamento e aceitação está em contraste com a tendência automática que temos de investir numa luta contra estas vivências aversivas, deixando de viver o resto da sua realidade: sentir tristeza, raiva ou nojo, é tão legítimo como sentir alegria ou amor. O praticante deixa de julgar os seus pensamentos e sensações porque, na verdade, lutar contra emoções e pensamentos que consideramos aversivos, só nos aproxima deles.
A aceitação destes sentimentos e emoções muitas vezes indesejáveis, facilita viver num mundo que não está sob o nosso controlo. Permite-nos envolver ativamente nele, ao invés de vivê-lo nas nossas mentes. Nesta perspectiva, a pessoa aprende a reconhecer que todos os conteúdos que lhe ocupam a mente são passageiros, sem se fundir com eles, não deixando que a dominem.
Assim, o praticante de mindfulness tem a oportunidade de vivenciar os seus conteúdos como realmente são, sem categorizá-los ou atribuir conceitos e significados, aprendendo a respeitar pensamentos e sentimentos positivos e negativos aceitando-os pelo que são – nada mais do que pensamentos - mesmo que sejam desagradáveis.
Porque é que o Mindfulness é importante no local de trabalho?
As práticas de mindfulness, para além dos benefícios associados à saúde mental como a redução de stress, ansiedade e aumento de bem estar, têm vindo a evidenciar desenvolver competências como curiosidade, abertura à experiência, aceitação e inteligência emocional. (Saiba mais sobre como desenvolver estas características e o seu potencial no nosso site )
Mindfulness e Well Being
É vasta a evidência de como o papel dos líderes constituem um papel fundamental no engagement e bem-estar dos seus colaboradores e, consequentemente, na sua produtividade. A título de exemplo, ambientes de trabalho menos autónomos ou onde o suporte organizacional é pouco percebido, frustram as necessidades psicológicas básicas de quem trabalha, proporcionando um menor ajustamento no exercício da sua função. Todo o ambiente pelo qual nos rodeamos pode ser um gatilho de stress, mau estar ou sensações que nos perturbam.
Estudos recentes referem que, em média, um adulto trabalhador passa, pelo menos, um quarto a um terço da sua vida a trabalhar (Schultz et. al, 2015). Em simultâneo, 69 % dos trabalhadores referem o trabalho como uma importante fonte de stress e 41 % relatam estar stressados ou tensos enquanto trabalham, levando isto a que a quantidade de trabalhadores que faltam ao exercício da sua função, por causas relacionadas com o stress, seja superior ao número de trabalhadores que faltam por motivos de lesão ou doença. Coincidentemente, o burnout é uma das questões de saúde mais recorrentes entre europeus e americanos.
Por outro lado, as mesmas investigações revelam que pessoas com maiores níveis de mindfulness são menos propensas a sentir frustração, mesmo em ambientes com menor suporte organizacional percebido (Schultz et. al, 2015). Assim, este conceito é um fator protetor e regulador de bem estar e autonomia nestes contextos. A regulação emocional tem vindo a revelar-se o elemento chave do mindfulness, já que estas pessoas são mais propensas a ver eventos stressantes como menos ameaçadores, sabendo responder aos mesmos de forma mais adequada.
Mindfulness e Performance
Experiências recentes demonstram, também, uma relação positiva entre mindfulness no local de trabalho e desempenho profissional ou performance. Direcionar a atenção e situar a mente no “agora”, por muitas que sejam as pressões para não o fazer, dá-nos conta de uma série de estímulos e eventos e, como resultado, somos mais eficazes.
Mesmo que a utilidade das nossas intuições no local de trabalho dependa da natureza da tarefa e do nível de expertise de quem a pratica, o mindfulness leva as pessoas a estarem mais conectadas com as suas tarefas, podendo facilitar a sua performance. (Hogarth, 2001; Kahneman & Klein, 2009; Klein, 1998).
Mindfulness e Liderança
To connect is to mind (Weick and Roberts, 1993: 374)
Dada a importância da inteligência emocional, regulação emocional, atenção e empatia em questões de liderança e relacionamento interpessoal, o mindfulness tem vindo a provar ser bastante útil nestes tópicos - todos estes aspetos são elementos centrais na mente de um líder, já que requer uma ampla e profunda consciência cognitiva e emocional de si próprio, dos outros e do contexto que o rodeia.
Nesta perspetiva, o foco deixa de ser exclusivo ao desenvolvimento individual e passa a ser, simultaneamente, o desenvolvimento coletivo. Estando comprometido com o “agora”, captando o que acontece e sendo reflexivo e sensível ao contexto, a pessoa tem em conta capacidades relacionais e não só individuais. Assim, passa a ser um atributo organizacional e social (Vogus e Sutcliffe, 2012: 724).
Quando relacional, tendo foco nas relações interpessoais, o mindfulness destaca-se pela sua associação em temas de liderança adaptativa e relacional (Cunliffe and Eriksen, 2011; Reitz, 2014; Reitz and Chaskalson, 2016; Reitz et al., 2016), e em processos de organização e inteligência emocional. Ser sensível e saber responder às relações interpessoais, permite lidar com emoções e dinâmicas que se fazem sentir em ambientes transformacionais e adaptativos, com base no diálogo, escuta ativa e conexão com o outro.
Praticar mindfulness
Embora algumas pessoas possam ser mais mindful do que outras, quer seja por resultado de experiências específicas ou alguma predisposição, podemos aprender a concentrar a nossa mente de forma mais consciente, através da prática.
Quando decidir começar ou continuar a praticar mindfulness, existem alguns aspetos que deve ter em conta:
1. É grátis
Não precisa de comprar nada. A prática de mindfulness não requer nenhum material para além de si mesmo.
2. É impossível calar a mente
O objetivo não é ter a mente em branco, sem pensar em absolutamente nada. O objetivo passa, sim, por trazê-lo para o agora, sendo esse o foco da sua atenção.
3. A sua mente vai desviar-se do foco
É normal que haja pensamentos intrusivos que surgem quando se está a praticar mindfulness. Não se sinta frustrado ou não desista se isso acontecer, tome apenas consciência deles e tente redirecionar a sua mente para o que estava a fazer.
4. Traga a sua mente de volta, as vezes que for preciso
Quando a sua atenção se desviar ou começar a pensar em algo que não interessa para a prática, traga sempre de volta a sua mente.
4 exercícios de mindfulness
Aqui seguem alguns exemplos de como pode praticar mindfulness no dia a dia, sem que seja preciso grande treino:
1. Foque-se na sua respiração.
Tire alguns minutos do seu dia (não precisam de ser muitos) e concentre-se na sua respiração.
Um dos exercícios mais comuns passa por contar até 10: Inspire durante 4 segundos pelo nariz e expire durante 6 segundos pela boca. Faça isto repetidamente, até sentir que faz sentido.
Se sentir que precisa de um exercício mais intenso, recorra à “respiração caótica”, o nome diz tudo: estará tão focado no que vai sentir que não vai ter espaço para pensar em mais nada. O que acontece neste exercício é precisamente induzir o corpo a hiperventilar (não se assuste, é seguro fazê-lo por alguns minutos). Para isto, inspire fundo pelo nariz e expulse todo o seu ar pela boca a um ritmo acelerado, por volta de um segundo em cada inspiração e expiração. É possível que sinta tonturas ou outro tipo de sintomas, é normal. Quando sentir que é suficiente, pare e relaxe um pouco.
Em todos os exercícios de respiração, quando estiver a expirar pela boca, tente mantê-la o máximo aberta, para que haja uma maior quantidade de ar a circular.
2. O exercício dos 5 sentidos
- Repare em 5 coisas que consegue ver. Tente escolher 5 coisas que normalmente não repara.
- Repare em 4 coisas que consegue sentir. Texturas, o vento na sua pele, etc..
- Repare em 3 coisas que consegue ouvir. Seja um animal, o som de um eletrodoméstico ou um carro, foque-se naquilo que ouve.
- Repare em duas coisas que consegue cheirar. Bons ou maus, tente agora focar-se em alguns cheiros que normalmente não são alvo da sua atenção.
- Repare num sabor. Concentre-se numa coisa que possa provar ou saborear neste momento. Pode até induzir sabores como dar um gole numa bebida, comer uma pastilha elástica ou até o sabor atual da sua boca.
3. Note as suas sensações
Quando estiver a tomar um duche, feche os olhos e repare no que sente quando a água escorrega pelo seu corpo. Esta é também uma forma de desviar a mente para as suas sensações corporais.
Noutra situação, tente visualizar a forma que o seu corpo toma quando se senta numa cadeira, assim desloca a sua consciência para quaisquer sensações físicas que esteja a sentir.
4. Dê um nome às suas emoções
No dia a dia, quando sentir emoções desconfortáveis ou indesejadas, dê-lhes um nome: “Isto é raiva”, “isto é ansiedade”, etc.. Desta forma, está tomar consciência da emoção que sente no momento e consecutivamente isolar-se da mesma. Reconhecer a emoção pelo que ela é, é reconhecê-la como diferente de si. Na verdade, a emoção não é mais do que a resposta a um estímulo, e é passageira. Veja as suas emoções como visitas ao seu corpo, dê-lhes permissão para entrar e sair de si.
Organizações que adotaram práticas de mindfulness
Sabendo dos benefícios que a prática de mindfulness traz nas organizações, há várias empresas que recorrem à sua prática. Aqui estão alguns exemplos:
Numa das maiores empresas de tecnologia, exercícios de mindfulness são praticados minutos antes das reuniões ou no curso Search Inside Yourself (SIY) - um curso prático sobre mindfulness e inteligência emocional desenvolvido pela empresa para os seus colaboradores. Atualmente, Search Inside Yourself foi expandido para a possibilidade de outras pessoas e organizações terem acesso.
Oferecendo aulas de meditação aos seus funcionários, o fundador da rede social, Mark Zuckerberg, também se reúne com outros fundadores de companhias de tecnologia na conferência Wisdom 2.0 na qual se discute os benefícios da meditação na era digital.
- Apple
Steve Jobs era praticante da meditação mindfulness. Segundo o mesmo, estas práticas ajudavam-no a tornar claras as suas ideias e pensamentos.
Comece hoje a sua prática
Praticar Mindfulness é útil para qualquer pessoa. Sendo uma prática relativamente simples, exerce uma influência sobre o seu cérebro que só lhe é benéfica, aumentando a sua qualidade de vida. Experimente tirar uns minutos de cada dia para praticar e irá notar, certamente, que algo mudou para melhor.
Saiba Mais sobre a prática de Mindfulness
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José Pedro Cabral | Trainne Bright Concept
Referências
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Evidence and Practical Considerations. Australian & New Zealand Journal of Psychiatry. 2006;40(4):285-294. doi:10.1080/j.1440-1614.2006.01794.x
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Grossman, P., Niemann, L., Schmidt, S., & Walach, H. (2004). Mindfulness-based stress reduction and health benefits. Journal of Psychosomatic Research, 57(1), 35–43. https://doi.org/10.1016/s0022-3999(03)00573-7
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Shapiro, S.L., Carlson, L.E., Astin, J.A. and Freedman, B. (2006), Mechanisms of mindfulness. J. Clin. Psychol., 62: 373-386. https://doi.org/10.1002/jclp.20237
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