Capitulo de Isabel Freire de Andrade do livro "85 Vozes pela Liderança" publicado pelo ISCTE em Novembro de 2024.
Um caso que ilustra como fazer esta transformação
Porque precisamos de equipas em vez de líderes individuais?
O mundo tem alguns desafios muito grandes e as gerações que vêm a seguir ainda vão ter desafios maiores. Estes problemas são impossíveis de resolver por líderes heróis, ou seja, pessoas ultracompetentes com excelentes capacidades de liderança. O mundo precisa urgentemente de equipas que, não só funcionem como mais do que a soma das suas partes, mas também que colaborem e atuem como parceiros de todos os seus stakeholders para cocriar um valor excecional para estes e ter um efeito cascata. A era do líder herói passou e desapareceu!
Os desafios atuais como as mudanças climáticas, a ampliação da desigualdade, as migrações, o aumento do stress mental e o aumento do preconceito humano estão interconectados. Não se pode resolver um destes problemas sem adereçar o outro. Todos estes desafios são sintomas do facto da consciência humana não ter mudado com o mundo que o homem criou. Por exemplo, em 70 anos a população mundial passou de 2 mil milhões e meio de pessoas para 8 mil milhões, as pessoas aumentaram em exponencial a utilização de tecnologia, o ritmo dos acontecimentos aumentou, e, com a pandemia, disparou a ansiedade, e muitos passaram a fazer teletrabalho.
Neste contexto, o líder herói não consegue ter sucesso. Uma equipa eficiente é muito mais rápida, consegue lidar com muito mais complexidade, é mais criativa e pode ter mais competências e aprendizagens do que uma única pessoa. E vai necessitar de tudo isto para lidar com o atual contexto e resolver os grandes problemas. Agora são necessárias equipas de liderança que consigam conjugar as qualidades de cada um.
O que precisamos agora é de equipas de liderança em todos os níveis das organizações e em todos os setores. Equipas de liderança que são mais do que a soma das suas partes e que colaboram com todos os stakeholders. Temos de passar da inteligência individual para a inteligência coletiva. Só assim é que as equipas podem dar um passo acima e resolver os desafios e criar valor para as gerações que vierem depois de nós.
Um exemplo de intervenção em que passaram de um mindset de líder herói para um mindset de equipa de liderança?
Vou ilustrar brevemente a forma de conseguir esta transformação de um líder herói para uma equipa líder através de uma intervenção que fiz com team coaching sistémico, de acordo com os ensinamentos que recebi de Peter Hawkins.
O Processo de mudança para equipas de Liderança implica trabalhar em 5 vertentes:
- Focar as equipas no propósito
- Criar objetivos comuns
- Trabalhar as relações dentro da equipa
- Construir parcerias com os stakeholders
- Desenvolver a equipa e os seus elementos constantemente
Neste caso um administrador de uma grande empresa na área dos Serviços, a quem vou chamar de João, pediu-me para intervir na equipa dele. Necessitava de fazer com muita urgência uma grande mudança em toda a organização e sabia que isso só ia acontecer com todos os seus Diretores a puxarem para o mesmo lado.
Os diretores estavam habituados a liderar as suas equipas sem ter de se preocupar com as outras equipas e tinham sido sempre liderados por Administradores diretivos e carismáticos. Com a mudança para este líder, o João, estavam, no mínimo, confusos. O João queria que eles fossem accountable pelo cumprimento dos objetivos globais e não só pelos objetivos do seu departamento, fazia reuniões semanais em que tinham de ajudar a resolver os problemas de todos e queria que deixassem de competir entre eles.
O João pediu-me assim para eu ajudar na viagem da equipa para aumentarem a accountability e a cooperação, e eu propus alargarmos o programa para ajudar a equipa a clarificar o propósito e os objetivos e a melhorar as parcerias com os vários stakeholders.
Começamos por fazer um diagnóstico com reuniões e questionários onde analisamos as 5 áreas em que esta equipa teria de dar o salto. Depois fomos trabalhando as várias áreas nos vários team coachings, coachings individuais que decorreram durante 6 meses. O processo foi bastante divertido, pois este administrador pedia sempre para introduzir alguma atividade outdoor nos eventos. Mas, ao mesmo tempo foi muito sério e eficiente.
De seguida, descrevo como trabalhámos cada uma das 5 áreas que permitem conseguir Equipas de Liderança.
1 - Quando estávamos a trabalhar o Propósito, isto é, porque é que a equipa existe para os vários stakeholders, a equipa escreveu o que cada um dos stakeholders queria deles - o board, os investidores, os clientes e a comunidade em que operam. Refletiram ainda nos stakeholders que se podiam estar a esquecer. O mais interessante foi mesmo descobrirem a “13ª fada”, ou seja, o stakeholder que não estavam a convidar para a festa e que ia comprometer o futuro se continuassem a dar-lhe atenção. O Stakeholder que ia ser determinante para a próxima geração foi também muito revelador. Compreenderem PORQUE estavam ali em função dos stakeholders com quem trabalhavam foi, segundo eles, uma experiência muito inspiradora.
2 - Estavam, então, preparados para passar à clarificação dos Objetivos Comuns, ou seja, O QUE iam conseguir fazer. Com este trabalho, estavam a criar o seu próprio sentido de esforço coletivo – o que estavam ali para alcançar e que não podiam alcançar trabalhando em paralelo? Quais eram os KPIs da equipa? Não apenas os KPIs individuais, mas também os objetivos e funções coletivas. Como realizavam não só as suas funções, mas também contribuíam para o todo? Esta mudança de mindset requer que estes objetivos estejam constantemente a ser visitados e medidos pelo que em todas as reuniões semanais criaram a rotina de partilhar o que tinham contribuído para os objetivos da equipa na semana anterior e o que iam contribuir na semana seguinte. Treinamos formas de o fazer dentro da equipa e para as suas respetivas equipas, em formato online e presencial.
3 - Em todos os team coachings e reuniões trabalhávamos a Cocriação da Equipa, ou seja, COMO é que a equipa trabalhava em conjunto e a sua capacidade de criar. Este tema foi muito desafiante. Tiveram de experimentar várias formas de trabalhar juntos até conseguirem ser criativos. O desafio foi descobrir a resposta a “Como podemos ter reuniões onde não estamos apenas a trocar pensamentos pré-preparados, mas a gerar novos pensamentos que nenhum de nós tinha antes de entrar na sala?”. Aqui treinaram novas formas de dar e receber feedback, fizeram acordos para garantir a segurança psicológica e a gestão de conflitos. Trabalharam ainda como ter pensamento positivo para garantir a gestão do stress e o foco nas oportunidades e não nos problemas. As atividades outdoor ajudaram a criar boas memórias e a criarem laços. Com estas intervenções a competição entre os Diretores e entre os seus departamentos foi perdendo o sentido, os conflitos foram sarando, as pessoas ficaram mais descontraídas e positivas, melhorando muito a sua saúde mental. Já tínhamos uma equipa que era muito superior à soma das suas partes e que resolvia os imprevistos e as questões complexas com facilidade. Cada elemento desta equipa preparou-se também para fazer a cocriação com as suas equipas. Como trabalhavam em formato híbrido, tiveram de treinar as competências de empatia e iniciativa e os estilos de liderança participativo e relacional e passaram a:
- perguntar e a observar como os colaboradores se estavam a sentir e quais eram as suas necessidades
- pedir sugestões aos colaboradores sobre como podiam melhorar as relações e a motivação
- ter ideias para conseguir criar uma boa relação entre todos na equipa quando estavam online, tais como organizar happy hours online, fazer jogos e questionários através de plataformas online e fazer exercícios em subgrupos utilizando as breakout rooms.
4 - Pouco tempo depois, surgiu um novo desafio, e desta vez era com um Stakeholder. As novas regras europeias de ESG não estavam a ser cumpridas. Conectar-se com os stakeholders, ou seja, os clientes, fornecedores, investidores, comunidades e o ambiente, foi então o tema que passamos a trabalhar. O desafio que tinham naquela altura era com o stakholder ambiente. Nas reuniões de equipa colocávamos uma cadeira vazia que representava o stakeholder ambiente e depois pedíamos a cada membro para se sentar nessa cadeira a assistir a reunião e a dizer o que achava das decisões tomadas. Cada membro treinou também para ser capaz de representar toda a equipa, e não apenas a sua função, quando se envolvia externamente. Já ninguém defendia só a sua “quinta”.
5 - Ao longo de todos os encontros, trabalhamos também como é que toda a equipa se podia desenvolver e aprender, e não apenas os indivíduos dentro dela. Em todas as reuniões e eventos que fizemos, a equipa refletiu sobre como podia aumentar a sua capacidade coletiva e como a equipa podia tornar-se uma fonte de expansão e desenvolvimento individual para cada um deles.
Agora sim, estavam preparados para ser uma verdadeira Equipa de Liderança. Nas medidas que íamos fazendo da sua eficiência e satisfação, os resultados iam aumentando significativamente. Já estavam alinhados, motivados, a fazer boas reuniões e a relacionarem-se de forma positiva dentro da equipa e com os vários stakeholders. A mudança na organização já estava a ser implementada e, apesar dos contratempos, ia avançando rapidamente.
Esta equipa conseguiu passar para uma equipa muito superior à soma das suas partes e que resolvia os imprevistos e as questões complexas com facilidade. Para além disso, o líder já não era o herói, já todos os viam como uma Equipa de Liderança.
Estas Equipas de Liderança são possíveis de criar e são a solução para resolver os grandes desafios do mundo. O processo de transformação destas equipas é exigente, mas pode ser muito interessante e uma excelente experiência de crescimento.
Isabel Freire de Andrade - CEO Bright Concept e Coach
Participação livro " Vozes pela Liderança"