"A cultura da empresa come a estratégia ao pequeno-almoço"
O autor norte-americano, que esta semana está em Portugal para uma série de palestras, aborda as virtudes do "coaching" face à formação tradicional e explica como pode até ajudar no escândalo da Volkswagen.
Tim Gallwey crê que o "coaching", disciplina que ajudou a criar, foi "uma grande revolução" na melhoria das competências dos gestores, com os efeitos a aumentarem à medida que vão subindo na empresa. Em entrevista ao Negócios, o autor norte-americano - com métodos de treino aplicados à área empresarial, da saúde, educação ou desporto - aponta a "falta de vontade dos gestores para ver o caminho" como o maior desafio para um "coach". A convite da Bright Concept, que o representa em Portugal, vai estar esta terça-feira no Belas Clube de Campo a mostrar como o golfe pode ter efeitos o negócio. Nos dias seguintes dará o workshop "The Inner Game in Leadership", em Sintra.
É considerado um dos pais do"coaching". Tem orgulho no que este seu filho se transformou?
Tenho. Foi uma grande revolução na maneira como as pessoas melhoraram as suas competências. O "coaching" é uma abordagem muito diferente da instrução - tem muito melhores resultados e é muito mais interessante. Instrução é dizer ao estudante o que fazer e não fazer, gera dúvidas na mente do jogador de golfe e, em seguida, um julgamento sobre se fez correctamente a instrução. Esta dúvida e este auto-julgamento são grandes interferências com a parte do cérebro que realmente coordena o comportamento. Já o "coach" simplesmente exige ao "coachee" estar ciente dos pontos críticos da competência que ele está a treinar. Quando a sensibilização é levada ao detalhe do comportamento não há dúvida, julgamento ou manipulação mental - deixando a aprendizagem natural ocorrer, seguida de um comportamento mais eficaz.
Como explica o crescimento explosivo do "coaching" em todo o mundo nos últimos anos?
Em comparação com o ensino, o "coaching" responde muito melhor aos desafios reais, especialmente para as pessoas com uma educação de topo. Um desempenho superior exige uma maior consciência, confiança e clareza no objectivo por parte do trabalhador de qualquer área. O "coaching" aborda mais estes factores do que a formação tradicional. A ênfase está na aprendizagem dos orientados e não no ensino do formador.
Ainda há muitos profissionais subaproveitados nas empresas, cujas habilidades estão pouco exloradas?
Sim. Muitos profissionais subestimam as suas capacidades porque não se apercebem que estão a bloqueara o seu potencial real com medos e dúvidas induzidos, muitos deles herdados do antiquado sistema de ensino. O medo do julgamento e dos fracassos, além da dúvida, leva a uma atitude de "tentar demasiado duro", de excesso de controlo e de correcção e daí por diante, até que a auto-imagem do profissional fica muito abaixo do potencial real. Pode-se mudar isso criando um ambiente de não julgamento em que os profissionais podem sentir com precisão o que estão a fazer.
Em que momentos da carreira de um gestor é que o "coaching" é mais fundamental?
O "coaching' é importante em todos os níveis. Mas quanto maior for o nível do gestor, mais treino é necessário sobre a forma como os aspectos culturais "que não se dizem" têm efeito sobre o que é pensado, dito e feito. A cultura come a estratégia ao pequeno-almoço. Ela comanda mais do que a liderança pensa. Esta é uma frase comum mas verdadeira.
O que é um cliente (gestor) desafiador para um profissional de "coaching"? Que características são essas que tornam esse desafio maior?
O maior desafio que enfrentamos é a falta de vontade para olhar e ver o caminho. É muito poderoso, e só um pouco embaraçoso, ver que ele bate uma e outra vez contra a mesma parede. Por exemplo, quando um líder dá a sua estratégia para o próximo trimestre e pergunta aos seus subordinados directos se perceberam, pode contar um número muito reduzido de pessoas a levantar a mão para admitir que não entendeu, e até ver por que é a estratégia não vai funcionar.
Há actualmente um grande escândalo na Volkswagen. Que papel pode ter o “coaching” ao nível da gestão de topo e intermédia no ressurgimento deste grande grupo empresarial?
O papel do “coach” não é tomar partido, mas dedicar-se a aspectos que provavelmente nem estão em cima da mesa. Se os levarmos a pensar fora das suas posições, os seus cérebros vão ter uma melhor oportunidade de ver soluções de que nem estavam à procura. Isto é um pouco oblíquo e difícil de acreditar até vê-lo acontecer uma série de vezes. A abordagem de “choque frontal” desafia o ego para ser combativo e resistente, e bloqueia as peças mais criativas do cérebro humano.
Ferramenta “Coaching” longe da motivação
Tim Gallwey rejeita que o “coaching” seja um instrumento motivacional, nem nas empresas nem no desporto, em que já aplicou a sua metodologia ao ténis ou ao golfe, que usa como exemplo. “No golfe um jogador precisa de se motivar a si próprio, isso não se substitui. Se o golfista depender da motivação do treinador então em breve vai sofrer o impacto do desvio da motivação. Muitos golfistas sabem qual o objetivo, mas não têm claro sobre por que jogam. (…) O porquê de ele ou ela o jogar e o significado que lhe atribui vão influenciar muito o seu estado de espirito”, explica. Nas empresas acontece o mesmo: o “coach” pode fazer perguntas para ajudar o “coachee” a encontrar as suas motivações, mas não o motiva”. Questionado sobre as dicas que dá aos profissionais que estão agora a iniciar-se nesta disciplina emergente, o especialista aconselha-os a “deixar de lado o que acham que devem dizer ao “coachee” sobre os prós e os contras da competência que eles estão a treinar”. “Aproveitem a aprendizagem do “coachee”, não de si mas da própria experiência consciente dele. Foi assim que todos aprendemos em crianças a esquiar, a jogar ténis ou a dar aos nossos pais o que eles querem. As crianças fazem-no muito bem e muito rápido sem precisarem de alguém a controlá-los em demasia”, detalhou o autor norte-americano.
António Larguesa (outubro, 2015)